26.10.06

Rio bravo

Vinham de uma excursão paroquial, ou se calhar de uma daquelas viagens de um dia organizadas pela Junta de Freguesia. Foi há algum tempo, já não me lembro bem. Os meus avós também costumavam frequentar o que chamavam os «passeios». Ir a Badajoz e vir no mesmo dia, com saída às cinco da matina e regresso às tantas da noite. Ou a Vigo. Ou a Fátima.

Eles vinham de Fátima, tinham assistido à missa na capela das aparições, compraram velas e estátuas a comprovar que «em Fátima rezei por ti». Pelos filhos, pelos netos, pelos pais. Também há os que rezaram por «saúdinha é que é preciso», pelas «dores nas cruzes», por «melhoras rápidas». Almoçaram numa cantina que alguém teve a ousadia de apelidar de restaurante, passearam pelas ruas da cidade e combinaram encontrar-se às cinco. Mas só largaram de Fátima às seis da tarde, tiveram que parar numa estação de serviço para avisar – os filhos, os netos, os pais – que iam chegar atrasados. Lá para as nove, talvez.

Às 21h36 chegaram à vila. O largo da Câmara era já ali, passando a ponte.
Nove e trinta e oito, chovia que se fartava. O autocarro começou a atravessar a estrutura velha de pedra e ferro. E de repente o vazio.

Escuro, queda, a água a entrar. Agarra os miúdos, tenta sair daqui, foge. Sabes nadar? A água tem demasiada corrente. Não consigo respirar. Não consigo.

E os corpos arrastados para muito longe, inchados, comida para peixe. Cinquenta e nove mortos, nenhum sobrevivente. Cinco de Março de 2001.

Os seis engenheiros que o Ministério Público acusou de negligência pela queda da Ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios, foram ilibados. Apesar dos avisos do LNEC do mau estado da estrutura e destes terem respondido «isto ainda aguenta».

Há dias em que sinto vergonha de ser português.

4 comentários:

disse...

BRUTAL!!!!
Hoje também senti vergonha, quando ouvi na rádio que todos os acusados tinham sido ilibados.
Como sempre a culpa morre solteira; mas neste caso não foi só a culpa que morreu…
Não imagino, o que neste momento passará pela cabeça de todas aquelas pessoas que de uma forma tão abrupta viram desaparecer os que mais amavam…

Dia disse...

Folheia o Crime às quintas. É um belo exercício para deixar de amar Portugal. Hoje, o GNR que baleou na cara a mulher e que por milagre não a matou, apenas a cegou, levou seis anos de pena. Vale a pena matar em Portugal. Quando eu tiver um ódio a sério não hesitarei.

Anónimo disse...

Bem deves estar a fechar o blog não? 985 visitas!

pinky disse...

grande texto! está lá td.