19.10.07

Na diáspora

A noite de ontem foi B.Leza. B.Leza no Music Box, que o velho convento encerrou mesmo portas e o melhor clube lisboeta de música africana funciona agora em formato itinerante. Seja, desde que haja festa.

Houve sim, festa grande.

Muita gente conhecida debaixo da ponte do Cais Sodré. Músicos tantos, jornalistas mais, dançantes imensos, tantos.

Entrei de braço dado com duas damas bonitas, Sophy e Suzana, dancei africanidade até ser tão tarde que já era cedo. Não fui o único. À volta havia bater de ancas ao ritmo da morna, sôdade, sôdade, Lisboa a crioular-se outra vez.

O B. Leza fechou portas mas resiste na diáspora. Volta depressa.

Photolog

Aos meus amigos não lhes basta fotografar o mundo. Bastos puros, também querem editar trabalho com as regras deles. Fazem muito bem.

A mim resta-me a recomendação e os trabalhos conjuntos.

Vão lá, vão espreitar os blogs fotográficos dos melhores bate-chapas aqui da praça: Jordi Burch e Joaquim Gromicho

11.10.07

Âmbar


Ela ali, dois bancos à frente de mim no eléctrico, em viagem de jornalistas por Praga. Ali, charme e glamour, virada para trás a piscar-me o olho, depois a conversar, namoriscar palavras e afagos, sussurrar boémia ao ouvido. Romance de Verão depois dos 30.

- Sou a Amber,
jornalista de Nova Iorque, bela e inteligente, ousada, meio louca, muito cool.

- És de Portugal. Explica-me lá como é que vocês organizam um campeonato da Europa de futebol, perdem a final com a Grécia e depois elegem um primeiro-ministro chamado Sócrates?

Gargalhadas durante uma semana. Fugir dos outros para andar de carrinhos de choque, comprar uma garrafa de champagne e bebê-la no castelo de Praga com céu estrelado, preferir privacidade de pensão de três pulgas às cinco estrelas do resto da comitiva.

Mas agora só sobra o advento da internet e dos sms, mas um Atlântico inteiro de distância.

Quando inventam o raio do teletransporte?

6.10.07

A banda


Santiago de Chile, 2006


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3.10.07

O anjo da guarda

Era Maio e eu tinha perdido o meu Moleskine. Numa noite de copos, claro, e à saída da casa de amigos no Princípe Real. Entrei num táxi e encostei a cabeça para trás, as luzes de Lisboa a rodopiarem a média velocidade, zonzo, gozo, giroflé giroflá. Quando cheguei à América paguei os seis euros do costume mas deixei o caderno em cima do banco. Pensei que nunca voltasse a ver o meu Moleskine. Era Maio, início do mês.

No Moleskine escrevo sempre com caneta preta. E isso significa que não estou a escrever para mais ninguém. É só para mim, são páginas de anotações do meu próprio diário, impartilháveis, emoções e desgostos e alegrias e coisas assim.

Setembro, pelo Porto outra vez, e toca o telemóvel: «Olá, o meu nome é José António Castel-Branco e encontrei um caderno seu na rua. Tinha o número de telefone escrito. Não li mais nada. Posso devolvê-lo quando quiser.» Sexta-feira, quando voltar a Lisboa. Às cinco em frente da Brasileira do Chiado, está combinado.

Sexta feira de Setembro, cinco menos cinco, telemóvel a tocar outra vez: «Fala António José Castel-Branco. Já aqui estou em frente à Brasileira. Vai-me reconhecer logo, tenho uma camisa aos quadrados verdes e uma guitarra na mão.» Ok, estou a chegar. E estava.

António José Castel-Branco estava a tocar Let it Be para os clientes da esplanada da Brasileira. Vi-o logo que saí da boca de metro no Chiado, a tal camisa, as calças rasgadas, um boné vermelho da Vodafone na cabeça, a barba mal amanhada e os olhos bondosos. Aproximei-me e esperei que acabasse a música. Depois ele confirmou a minha identidade, abriu o saco da viola e retirou o Moleskine preto, o meu diário de bordo perdido há quatro meses e finalmente reencontrado.

Perguntei-lhe em que raio de geografia se tinha dado tal achamento e ele respondeu que o tinha encontrado num caixote de lixo do Chiado, quando andava à procura de comida. António José Castel-Branco revelou-se sem-abrigo. E boa alma, também.

«Sabe», disse-me ele, «pensei rasgar as páginas escritas e aproveitar o caderno para as minhas canções. Mas depois achei que não se pode roubar a poesia a um poeta.» Então afinal sempre leu o que tinha escrito? «Não.» «Bem, na verdade li um pouquinho.» «Para ser absolutamente sincero devorei tudo. E gostei muito.» Obrigado.

Perguntei-lhe se queria uma cerveja. Não queria. Quer vir lanchar? Não quis. Então vou andando, obrigado por ter devolvido o meu tesouro. Comecei a andar. Quando dobrei a esquina, virei-me para trás e já não o vi, parecia ter-se esfumado Chiado acima.

Abri o caderno para matar saudades de mim mesmo, em registo de palavras sem público. Encontrei lá dentro um poema, com data e assinatura de António José Castel-Branco, rimas sobre Lisboa, a noite e os vagabundos.

Não fosse ter na lista de contactos o número de um sem abrigo com nome fidalgo e telemóvel, e ainda hoje estaria a pensar se não teria sido visitado pelo fantasma de Fernando Pessoa.