2.8.09

Crónica pequeno-portuguesa

Estivemos quase lá.

O largo de Santo Antoninho - mesmo ao fundo da calçada da Bica, à direita para quem desce, onde no número seis, um prédio de três andares, vivem cinco amigos meus distribuídos por três casas diferentes - tinha esta noite cinema ao ar livre. Era uma projecção em película d' A Janela, a ode cinematográfica do Edgar Pêra ao marialva lisboeta, cujo cenário é a Bica em geral e o largo de Santo Antoninho em particular.

Picámos um sushi no segundo piso, com vista para a plateia - umas trinta ou quarenta cadeiras alinhadas diante do ecrã. Quando acabámos de jantar, estava prestes a começar a projecção. E então a família Prudêncio foi ao cinema. Uma litrosa de cerveja, uma mantinha, até um saco de pipocas acabadas de estalar. Começou o filme.

Das colunas saía um som distorcido e, apesar de não se passar nada de errado com a película, certamente havia um problema peliculiar. Os senhores do cinema interromperam o filme e prometeram arranjar o «problema técnico». Dez minutos depois, segunda tentativa. Os meus urros, graves e agudos. Aí, os senhores do cinema prometeram contornar a crise em quinze minutos.

Quinze minutos depois, os senhores do cinema fizeram a terceira tentativa e uma das colunas protestou furiosamente, o que levou ao cancelamento da magnífica noite de cinema ao ar livre da Bica, «é uma falta de respeito para com o filme e para convosco».

Conformámo-nos e pensámos subir ao Bairro, mas acabámos por ficar ali na rua, a beber as imperiais que comprávamos no bar da esquina. Uma boa hora depois, com as cadeiras do largo de Santo Antoninho já todas recolhidas, espanto dos espantos, apareceram na tela as primeiras imagens do filme. E, desta vez, o som era perfeito.
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As condições de visionamento do filme eram fantásticas. Como toda a gente tinha entretanto ido andando, estávamos nós de copo na mão e cigarro na boca, a disfrutar o privilégio de sermos os únicos espectadores da projecção de um filme da Bica, na Bica, para a Bica.

E, aos 16 minutos do filme, os senhores do cinema decidiram pôr termo à projecção, «porque é tarde e não temos licença, pá». Não havia ali polícia, a maior parte dos vizinhos estavam fora de férias, seria extremamente improvável que alguém apresentasse queixa. Já para não dizer que interromper um filme aos 16 minutos é que é uma falta de respeito para com filme. E para connosco, pá.

Então, o Miguel vira-se para mim e interpreta Portugal em duas palavras:
«Gandas meninos!»