5.12.08

Little children



O Mike há-de ser do Benfica, se eu conseguir contornar a vontade muito forte dos meus irmãos e dos meus pais de que ele seja do Sporting. O Mike há-de curtir livros, porque eu hei-de oferecer-lhe uma data deles, e obviamente há-de saber brincar com as palavras, como o tio. O Mike, o meu sobrinho Mike, há-de partir os corações às filhas dos meus amigos, até porque o tio há-de apresentá-lo à sociedade como o sonho de qualquer mulher, de qualquer sogra, inclusivamente de qualquer sogro.

O Mike há-de ser escuteiro, há-de ir acampar para o mato, há-de conhecer a serra de Sintra tão bem como o pai e o tio. Há-de ser essas coisas todas e fazer essas coisas todas. Mas, por enquanto, o Mike ainda nem completou dois meses. E eu ainda não o consigo influenciar.

O que é que se dá a um recém-nascido pelo Natal?

19.11.08

António Henriques (1982-2008)

Tó,

Viveste uma vida cheia. Sempre foste apaixonado pela vida e pelas pessoas que te rodeavam. Eras grande, sincero, puro, afável. Fazias toda a gente rir quando te escangalhavas a rir. Sabias dar vida aos outros, puto.

Se há coisa de que podes estar certo é que te manterás vivo nas gargalhadas dos jantares de Natal, nos encontros dos renegades, nas muitas memórias de quem te conhece desde os dez anos.

Fica bem aí onde estás, meu irmão. E um dia haveremos todos de nos encontrar para dar aquele abraço.

Estamos juntos. Estaremos sempre.

1.10.08

Não me pagam para isso

O Frutalmeidas, na Avenida de Roma, tem provavelmente os melhores pastéis de massa tenra do mundo. Não é que eu seja grande apreciador de pastéis de massa tenra, mas eles lembram-me as tardes de Inverno em que ficava sentado na mesa de azulejos da cozinha a fazer os trabalhos de casa com a Jaquina nas minhas costas, a estender massa no balcão de mármore. Era ritual da chegada do frio, fazer croquetes, rissóis e pastéis de massa tenra. A Jaca, muitas vezes com a ajuda da minha avó, produzia centenas de salgadinhos, estendiam-nas numas caixas grandes de plástico, separadas em camadas por folhas de papel de alumínio, e congelavam-nos para todo o ano. Estou certo que a Jaquina, que agora está velhinha e reformada, não produz os pastéis de massa de tenra do Frutalmeidas, mas, que raios, sabem exactamente ao mesmo.

Ao sábado de manhã [pronto, às três da tarde], vou invariavelmente beber um sumo de maçã natural e comer dois pastéis ao Frutalmeidas. O problema é o atendimento. Digo boa tarde e o empregado não responde. Abana a cabeça para perguntar o que quero e traz o pedido largando-o apressadamente em cima da mesa. Pago, não diz uma palavra, nem sequer um obrigado. E dou por mim a pensar que, se a Jaquina estivesse ali, veria o facto como uma afronta.

Chateia-me o mau atendimento em Portugal porque é um país de turismo. Percebo que as pessoas estejam cansadas de apertar o cinto, da crise, de ganhar mal, mas ninguém tem de levar com a má onda dos outros quando está a adquirir um bem ou serviço. É uma questão de profissionalismo.

Atitudes que me transcedem:

1. Peço uma italiana ao balcão, trazem-me uma bica cheia e eu protesto. Muitas vezes perguntam se têm mesmo de tirar outra, se não quero beber assim.

2. Peço uma coca-cola com gelo e respondem-me que a cola está fresca. Eu insisto que quero num copo cheio de gelo e trazem-me duas pedras.

3. Peço um café e um copo de água e dizem-me para me servir eu próprio do copo de água. Convenhamos que um jarro cheio há sabe-se lá quanto tempo e uma série de copos dispostos em fila não são propriamente higiénicos. E é aquela onda do «a mim ninguém me paga para servir copos de água.»

Há uns dias, estava no Crew Hassan a jantar com uns amigos, mas cheguei tarde e eles já estavam a meio da refeição. Pedi o meu prato, paguei e sentei-me com eles. Não havia rigorosamente mais ninguém no Crew Hassan. Passado um bocado, uma rapariga saiu da cozinha, passou o balcão e veio à mesa dizer-me: «O seu prato está pronto, não fazemos serviço de mesa.» Ela veio à mesa e não foi capaz de trazer o prato, mesmo com a sala vazia, porque simplesmente «não era função» dela. Impressionante.

Voltando aos pastéis de massa tenra, a Jaquina também não tinha obrigação de fazer salgados. Empregada doméstica, era essa a sua função. Mas ela era muito mais do que isso. Tinha brio e interesse, preocupava-se de facto com as coisas. E conseguiu fazer aquilo que temos dificuldade de fazer em Portugal: marcar realmente a diferença.

19.8.08

Roadtrip to paradise


Férias. Praia. Fora. Bora.
Desaguámos em Cadaqués, que é basicamente isto: encostas escarpadas de xisto, praias límpidas de corais e peixes coloridos, sol e um vento que vem dos Pirinéus chamado la tranmontana que, dizem os nativos, é capaz de deixar um homem louco.
Encontrámos o fotógrafo do Dalí, um Club Med que vai ser mandado abaixo para proteger o património natutral do Parc Nacional de Cap de Creus, acampámos e palmilhámos estrada. Era o que se queria. Roadtrip. Siga! E isto foram as férias da trupe.

3.7.08

Geração higiénica

Os sixties foram os anos rebeldes, os seventies assistiram ao nascimento do punk e do new age, os eighties foram os anos das lantejoulas e do porreirismo [com o pessoal a afundar-se em heroína, a sida a aparecer, as regras do jogo a mudar] e os nineties não tiveram ícone maior do que o álbum Nevermind, dos Nirvana. Em tradução literal, «não quero saber» ou, perdoem o meu francês, «estou-me a cagar». Foi a atitude que marcou a última década do século XX.

A mudança de século e de milénio inverteu tudo. O terrorismo pôs a malta a pensar, logo no início desta década. É difícil perceber uma geração quando ela marca o presenta, mas agora que passaram oito anos e meio, já se adivinha como vão ser recordados os anos 2000.

Higiénicos.

Esta geração não bebe nem fuma, pratica desporto em ginásios, faz reciclagem, é adepta do vegetarianismo, veste-se bem, bronzeia todo o corpo, toma suplementos vitamínicos mas abdica dos esteróides, rapa os pêlos do peito, come saladas e peixe grelhado, prefere cola zero ou cola light à cuba libre, faz yoga e tai-chi, deita-se cedo e acorda cedo, escolhe drogas sintéticas, cortadas com lixívia e desinfectantes. É a geração que viu nascer a ASAE e alei do tabaco, por exemplo. Provas mais que provadas de que valor maior dos nossos tempos é a higiene, a salubridade. Todos temos de estar incrivelmente em forma, absolutamente saudáveis, preferencialmente puros.

Nada de mal até aqui. Foi preciso passar uma borracha pela segunda metade do século XX, anos duros onde tudo se experimentou, onde tudo foi uma possibilidade, e começar de novo. Começar bem, limpinho, clean. Mas depois vieram os exageros.

Na Holanda, foi aprovada uma lei que impede o consumo de tabaco em todos os locais públicos, incluíndo os coffeeshops. Podem ler a notícia aqui: http://www.usatoday.com/news/world/2008-06-26-amsterdam-tobacco_N.htm

Os frequentadores destes espaços poderão fumar ganzas à vontade dentro dos estabelecimentos, mas apenas se estas não contiveram tabaco. Os cigarros também estão proibídos, só charros puros, de haxixe ou erva.

Eis a onda higiénica levada ao extremo. Ridículo, não é?

6.6.08

Eu não queria, mas vou


Não tenho bilhete para nenhum concerto e no entanto assisto a todos. Da janela do meu arranha-céus na América, a vista para o Parque da Bela Vista é directa. A audição também e por isso oiço os concertos todos, os comentários dos artistas para o público, o fogo de artifício e a p$#@& da tenda electrónica. Deixem-me dormir, caraças.
No dia em que começaram os concertos tinha um simpático papel da organização do festival a pedir desculpas antecipadas pelo incómodo que o Rock In Rio Lisboa pudesse causar e a apelar ao famoso sentido de hospitalidade do povo português. Graxa pura [que em linguagem pós-moderna se chama Relações Públicas].
Eu nem sou pessoa de me deitar cedo. Não é isso. Mas gosto de ir para casa escrever em paz, ler em paz, jantar ou cear em paz. Não dá. É impossível. As janelas tremem com o ruído, os decibéis atingem níveis de poluição sonora ilegais numa área urbana, mas tudo é permitido em nome da excepção Rock In Rio. Se eu quiser dar uma festa em casa, algo me diz que o limite das autoridade será muito menos flexível.
Ontem cheguei a casa às duas da manhã e alguém tinha pendurado cartazes a apelar à realização de um abaixo-assinado entre moradores. A ideia era Rock In Rio SIM, Tenda Electrónica NÃO. Menos de uma hora depois, esses cartazes tinham sido arrancados, o que me faz suspeitar que há uma máfia activa em pleno Parque da Bela Vista.
Eu adoro música. Eu adoro festa. Mas odeio ter de me divertir à força.

15.5.08

Ring the bells

SMS recebido às duas da manhã de uma sexta à noite, de um número que não conhecia:

«Olá, estás acordado?»

SMS de resposta:

«Claro. Alive and kicking pelo sítio do costume. E tu?»

Telefonema recebido dois minutos depois do mesmo número que não conhecia. Voz feminina:

«Então, há muito tempo que não falamos... que saudades. Olha, estou cá em baixo no Lounge, e isto está em grande festa. Anda cá ter.»

A minha resposta, a tentar encontrar balizas:

«Estás com quem?»

Redondo fracasso:

«Com ninguém que conheças.»

Volto à carga, sem compromissos:

«Bem, isto cá por cima também está muito fixe. Já vejo se aí vou ter ou não, mas estou aqui com a minha trupe e tu estás aí com a tua. Já falamos.»

Três da manhã. Novo sms:

«Então, anda lá.»

Três e meia da manhã. Faço um telefonema:

«Então, como é que isso está aí em baixo?»

«Está animado. Anda cá beber um copo comigo.»

«Bem, a verdade é que não tenho o teu número e pela tua voz pareces-me a Susana. Confirmas?»

«Estás a brincar comigo?»

«Não estou não, desculpa lá a jaguncice. Pareces-me mesmo a Susana.»

«Mas eu sou a Mami.»

«Ah, Mami... pois, que cena. Desculpa lá. Há quanto tempo... Estás bem?»

3.4.08

Bens perecíveis



Toca o telefone. Era noite, fez-se Dia.
«Olá, estás sentado?»
«Nop, estou na rua.»
«Senta-te.»
Sentei.
«Tenho um frigorífico para ti», disse ela.
Levantei.
E comecei as celebrações ali mesmo.

Nos últimos dois anos, vivi sem frigorífico. Habituei-me a ir ao supermercado se queria alimentos frescos, tornei-me rei dos enlatados, comprava leite em pacotes pequenos, de criança, zero vírgula dois litros de mimosa e nem mais uma gota. Fiambre nem pensar, queijo só se for da vaca sorridente, soja em vez de carne picada, vinho tinto no lugar das jolas. Dois anos assim, sem sopa.
Não é que me custasse particularmente viver sem frigorífico. O ser humano tem uma adpatabilidade extraordinária. Toda a gente sabe que não há frigoríficos em África, que no lote de bens essenciais - realmente essenciais - um frigorífico não tem categoria. Mas este domingo, a meio da tarde, eu fui buscar o tal bem dispensável. Weeeeeeeeeeeeeeeeeeee.

A Dia a conduzir com o João ao lado, eu e o Jordi na parte de trás da carrinha. Solavancos, solavancos, subir ao quarto andar de mãos nos bolsos e descê-lo de frigorífico nas mãos. Entretanto, a salvadora da refrigeração oferece-me um pano de loiça com um galo de Barcelos. Coloco-o na cabeça. Xutos. Ela vai registando o momento para a posteridade. Reina festa. A-LE-GRIA!!!



Ainda antes de chegarmos a América, de eu e o Jordi pormos o frigorífico no elevador para subir ao décimo piso - onde viverá feliz para sempre - paramos no Pingo Doce. É a festa do alimento perecível. Compro alface, carne para congelar, queijo e fiambre, iogurtes, sacos para fazer gelo, garrafas de vinho branco, cerveja, leite, manteiga, mostarda Dijon, sopas da Knorr [não em pó, mas líquida, daquelas pré-cozinhadas]. Deixo-me nitidamente levar pelo momento e gasto uns valentes €61,16 em coisas que se podem estragar, mas depois a Dia chama-me à atenção que o número é uma capicua e isso só pode ser um óptimo presságio. Seja.




Quando finalmente retorno a casa, decido baptizar o frigorífico de Fred, a Dia e o João trazem-me os sacos de compras e fumamos todos um cigarro [ok, não era exactamente um cigarro] para comemorar o momento. Limpo o Fred, ligo-o à ficha e rio de felicidade.

Agora, tudo é possível.

E ainda por cima está a chegar o Verão.

11.3.08

Cure for pain



Eu tinha o bilhete comprado desde Novembro e acordei feliz no sábado. Mandei mensagens a quem ia comigo. Disse «Show me how you do it, and I promisse you, I promisse that, I'll runaway with you». Angariei mais fugitivos. Sete da noite, imperial. Oito e meia, pavilhão atlântico. Weeeeeeeeeeeeeeeee.

Mr. Robert Smith está um pouco mais gordo. Mas a voz, inconfundível, preserva truques de ilusionista. Quantas memórias acumuladas nesta sonoridade? Viagens e dores e romances e melodramas e amigos e praia e tudo.

Mr. Smith também gostou do concerto. Cantou durante mais de três horas, dançou como nunca, avançou até à frente do palco para partilhar emoções com a plateia. E foi precisamente nesse momento, um dos mais íntimos do concerto, que chegou a perplexidade.

Robert Smith estava no limite do palco, encostado ao público, a cantar de mão estendida para a massa. Oferecia a mão e a alma, num gesto que é pouco habitual nele. Ninguém, quase ninguém, lhe estendeu a mão. Em vez de se deixarem ir, de se entregarem à empatia do momento, os que estavam na frente do palco preferiram erguer os telemóveis e gravar essa fabulosa magia de Mr. Smith.

Ele de braços estendidos ao público e o público de telemóvel estendido a ele. Não pude deixar de pensar que isto é um sinal dos tempos. Seja a gravação para mostrar aos outros ou para ver mais tarde, é uma estranha mediação. Toda a gente preferiu gravar a magia do que vivê-la. Que raio de tempos estes.

5.1.08

A divina comédia

Ano novo em Berlim foi banho de urbanidade. Martin Parr iluminou-me os dias, depois de ver a exposição dele no C/O Berlin, uma velha estação de Correios no Mitte agora transformada em centro de fotografia. Esta imagem é dele. Não estava exposta em Berlim e no entanto tem doses precisas de ironia e ridículo. Isto é um grupo de turistas no Ground Zero, em Nova Iorque.

Muito curtidos, estes dias de berliner. Dançar numa festa de house num edifício ocupado, mergulhar nos restaurantes turcos, libaneses e japoneses de Kreuzberg, curtir a vanguarda em Prezlauer Berg, saltar de ano no telhado de um prédio de oito andares, frente a Centralpark, e assistir a uma verdadeira guerra civil de fogo de artifício durante uma dúzia de minutos. Fazer festa luso-brasileira-alemã noite dentro.

O pior foi depois. Às cinco da manhã do dia 1 de Janeiro de 2008 rumei ao aeroporto de Snhonefeld, disposto a manter uma postura respeitável e confiante (o que de facto viria a conseguir fazer, pelo menos até momento em que me sentei no avião. Ahhh, mesmo à justa.)

Uns minutos depois das dez da manhã cheguei a Lisboa. Fui tomar o pequeno-almoço à avenida de Roma e observei os restantes madrugadores. Havia as senhoras e os senhores de chapéu, extremamente acordados, algumas famílias completas, demasiado bem-dispostas, os últimos boémios da festa, a caminho de casa. Percebi-os melhor do que aos outros. E percebi que odeio pessoas bem-dispostas e acordadas nas manhãs de 1 de Janeiro.