1.10.08

Não me pagam para isso

O Frutalmeidas, na Avenida de Roma, tem provavelmente os melhores pastéis de massa tenra do mundo. Não é que eu seja grande apreciador de pastéis de massa tenra, mas eles lembram-me as tardes de Inverno em que ficava sentado na mesa de azulejos da cozinha a fazer os trabalhos de casa com a Jaquina nas minhas costas, a estender massa no balcão de mármore. Era ritual da chegada do frio, fazer croquetes, rissóis e pastéis de massa tenra. A Jaca, muitas vezes com a ajuda da minha avó, produzia centenas de salgadinhos, estendiam-nas numas caixas grandes de plástico, separadas em camadas por folhas de papel de alumínio, e congelavam-nos para todo o ano. Estou certo que a Jaquina, que agora está velhinha e reformada, não produz os pastéis de massa de tenra do Frutalmeidas, mas, que raios, sabem exactamente ao mesmo.

Ao sábado de manhã [pronto, às três da tarde], vou invariavelmente beber um sumo de maçã natural e comer dois pastéis ao Frutalmeidas. O problema é o atendimento. Digo boa tarde e o empregado não responde. Abana a cabeça para perguntar o que quero e traz o pedido largando-o apressadamente em cima da mesa. Pago, não diz uma palavra, nem sequer um obrigado. E dou por mim a pensar que, se a Jaquina estivesse ali, veria o facto como uma afronta.

Chateia-me o mau atendimento em Portugal porque é um país de turismo. Percebo que as pessoas estejam cansadas de apertar o cinto, da crise, de ganhar mal, mas ninguém tem de levar com a má onda dos outros quando está a adquirir um bem ou serviço. É uma questão de profissionalismo.

Atitudes que me transcedem:

1. Peço uma italiana ao balcão, trazem-me uma bica cheia e eu protesto. Muitas vezes perguntam se têm mesmo de tirar outra, se não quero beber assim.

2. Peço uma coca-cola com gelo e respondem-me que a cola está fresca. Eu insisto que quero num copo cheio de gelo e trazem-me duas pedras.

3. Peço um café e um copo de água e dizem-me para me servir eu próprio do copo de água. Convenhamos que um jarro cheio há sabe-se lá quanto tempo e uma série de copos dispostos em fila não são propriamente higiénicos. E é aquela onda do «a mim ninguém me paga para servir copos de água.»

Há uns dias, estava no Crew Hassan a jantar com uns amigos, mas cheguei tarde e eles já estavam a meio da refeição. Pedi o meu prato, paguei e sentei-me com eles. Não havia rigorosamente mais ninguém no Crew Hassan. Passado um bocado, uma rapariga saiu da cozinha, passou o balcão e veio à mesa dizer-me: «O seu prato está pronto, não fazemos serviço de mesa.» Ela veio à mesa e não foi capaz de trazer o prato, mesmo com a sala vazia, porque simplesmente «não era função» dela. Impressionante.

Voltando aos pastéis de massa tenra, a Jaquina também não tinha obrigação de fazer salgados. Empregada doméstica, era essa a sua função. Mas ela era muito mais do que isso. Tinha brio e interesse, preocupava-se de facto com as coisas. E conseguiu fazer aquilo que temos dificuldade de fazer em Portugal: marcar realmente a diferença.