24.10.06

Conselho de Anciãos

Há um livro fabuloso de um repórter polaco chamado Riszard Kapuscinki, que passou 30 anos em África a cobrir todas as guerras, conflitos e dramas do continente na altura em que essas guerras, conflitos e dramas estavam no pico da violência. A obra chama-se «Ébano» e deveria ser de leitura obrigatória nos cursos de comunicação social [em vez dos tratados enfadonhos do Paul Ricoeur, que sinceramente nunca me serviram para nada]. Num notável trabalho de minúncia e pormenor, Kapuscinki descontrói a complexa sociedade africana com detalhes deliciosos. Como a casa mais cara da aldeia ser aquela por onde corre uma mínima corrente de ar, como um branco numa povoação negra tem de tolerar ser assaltado, porque é esse o seu papel na comunidade, como um velho é uma personagem que merece respeito, silêncio e atenção profunda - nem que seja para chamar obra dos deuses ruins a um telefone por satélite.

Quando, em qualquer paragem remota de África, se reúne o Conselho de Anciãos, a aldeia permanece em suspenso até que haja uma decisão e, depois, acata a decisão sem nunca a contestar. Os velhos são os sábios, guardiãos da tradição e da magia, analistas das forças da terra.

Ontem, na linha verde do metro, um Conselho de Anciãos ingleses reunia-se na carruagem da frente. Tinham pinta de turistas, seguiam todos sentados, em amena cavaqueira. Até que, na estação dos Anjos, entrou uma grávida muito grávida que pediu para se sentar no lugar de um dos Anciãos ingleses. Incapaz de compreender a língua estranha que ouvia, o Ancião permaneceu imóvel. A grávida muito grávida percebeu a incompreensão e pediu para se sentar mais uma vez, desta feita em língua inglesa. «No way, I arrived first» foi a resposta.
«But your place is reserved for pregnant people, and I wouldn't ask you if I wasn't so tired», ainda contestou a grávida muito grávida, que quase tombava para o chão quando o metro travou bruscamente no Intendente. Mas ficou de pé, sem reposta, e o Ancião inglês virou a cara para o lado [claro que me depois me dirigi ao local e disse ao homem para se levantar imediatamente, com cara enfurecida. Só aí ele acatou a ideia, murmurando frases que não deveriam ser particularmente simpáticas, mas felizmente mantinahm-se incompreensíveis].

Deportamos os Anciãos ingleses para uma aldeia tribal de África durante seis meses ou encerramo-los para o resta da vida na prisão do Tarrafal?

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