4.10.06

Calvin & Hobbes

O prédio ao lado está em obras. Limpeza de fachada, retoques de pintura, nada que incomode. Já anda assim há pelo menos dois meses, desde que me mudei para os States. Os mesmos dois tipos a acartarem baldes ao som de um transistor parecido com o que a minha mulher a dias usava em casa da minha mãe. Chamava-se Jaca, Joaquina, minhota com muitos anos de Andorra, mulher dura, ralhava connosco até que a levantávamos pelo colo e ela batia-nos a dizer «deslargue-me».
Era sobretudo o meu irmão mais novo quem lhe pegava ao colo. Eu só mandava bocas, às vezes dançava com ela ao som do transistor velho, cinzento, sintonizado nas minhas iniciais [RR]. Não sei porquê, mas quando chegava a casa depois da faculdade, a Jaca costumava estar sempre a limpar o tapete do hall de entrada. A velhota de rabo para o ar, pernas quase estendidas, mãos na carpete. Eu entrava e dizia qualquer coisa digna como um «eh lá, temos festa!» Ela respondia-me menino tenha respeito. Às vezes contestava-a com uma palmada na anca, depois tinha que fugir, ela agarrava numa colher de pau e perseguia-me casa fora. Cenas de violência doméstica.
O transistor da Jaquina debitava horas após horas o jogo da mala, a missa de fim de tarde, a voz do António Sala. E hoje, o transistor dos pedreiros do prédio ao lado entoava Gloria Estefan [!], enquanto os homens trabalhavam.

Foi pouco depois de lhes ter atirado os bons dias que reparei que um deles tinha uma T-shirt da Calvin Klein e o outro usava uma camisa de manga curta, padrão tigresa. Imagem hilariante, duas fashion victims das obras, um Calvin, outro Hobbes. Que imagem tão estranha para começar o dia.

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