9.10.06

Praça dos sonhos

Rossio, sábado à tarde.

Da esquina da Havaneza há muito que desapareceu o velhote que andava embrulhado numa bandeira do PSD a vender salvação divina com um megafone. Lembro-me que ele gritava «Cristo é pai, Cristo é o caminho» muito antes de terem aparecido em Portugal os cristianismos proféticos da IURD e da Igreja Maná. Foi o primeiro profeta que alguma vez vi e o que mais me impressionou. Agora, no lugar dele está uma mulher com uma banca arrumada numa bandeira do PSD, a vender sonhos sem megafone, livros de auto-ajuda religiosa emoldurados com bandeiras de Portugal.

Adiante, em direcção à rua do Carmo, o vendedor de castanhas de sempre. A dúzia anda cara, há sempre duas ou três castanhas estragadas, mas ele insiste em vender o sonho de um Outono desejado, sem perceber que Lisboa tem saudades do Verão. Na esquina seguinte, o Dona Maria II, sonho nunca concretizado de um verdadeiro teatro nacional. Portas fechadas, mundo privado, distante de todos. Um monumento ao querer ser, à utopia de palco do mundo. Vazio de plateia. Triste como o fado [Venham os actores para a rua, buscar público para dentro da sala].

Na Pastelaria Suíça sonha-se com o charme da Lisboa chic. Homens de todas as cores, mulheres de todas as línguas, Expressos e Sóis a concentrar-lhes o esgar. À noite, em frente à Suíça, há desfile de corpos para vender, mulheres que oferecem carícias, sonhos desvanecidos de prazeres de Outono. Mas agora, que há luz, o Rossio quase parece o coração de uma cidade verdadeiramente cosmopolita.

Mas a Valentim de Carvalho fechou, as multinacionais de salada ocuparam o espaço das chapelarias, as castanhas andam estragadas e o profeta do Rossio morreu. Sonhos perdidos.

Nisto, duas brasileiras passam por mim e comentam uma para a outra:
«Lisboa não tem loja de fantasia.»

Pois não, penso. Os sonhos já não se vendem.

2 comentários:

disse...

Bandido!!!
Já tinha saudades da tua escrita.
Lisboa é palco de sonhos, gosto de passear na baixa ao domingo à tarde, sem pressas e beber todos os pormenores da cidade
Também me lembro desse Srº que proclamava a fé, perguntava-me o que fazia um homem em plena baixa fizesse sol ou chuva sempre gritar o nome de Cristo.

Parabéns pelo blog
bjs

pinky disse...

tem sim sr! e muitas, é só procurar bem, atrás da suiça á uma rua com uma mega loja de fantasias!
e lisboa inteira tem recantos de lojas de fantasia...