De todos os ecologistas que conheço nesta cidade - biólogos e escuteiros; vadios que dormem sob um tecto estrelado, em bancos de jardim, e passam os dias a alimentar pombos com pedaços de pão duro vasculhados nos caixotes de lixo; matilhas de freaks de garrafa de vinho e djambé em punho, amontoados nas ruas pedonais a cravar trocos para compensar a batida, e inevitavelmente rodeados de cães por todos os lados - a maior é sem dúvida a dona Margarida.
A dona Margarida vive na América, é a minha senhoria. É mulher de sentenças catastróficas, ao longo de um só dia é capaz de ordenar morte verbal a um bairro inteiro e, no entanto, derrete-se sempre que encontra qualquer animal desolado - um pombo de asa partida, um gato que o dono pretende afogar, um perro abandonado nas férias. Há dias, corria eu para a estação para apanhar o comboio para Sintra, encontrei-a na rua revoltada: «cortaram-me duas árvores.» Onde? «Ali em cima, perto da avenida de Roma.» As árvores não eram dela? Eram. As árvores são de quem as ama.
Na sua casa na América, dona Margarida acolhe os refugiados das ruas. São três cães e oito gatos, mais dois pombos de asas quebradas. Costumo encontrá-la a passear os primeiros, a bengala numa mão e duas trelas na outra [um dos perros caminha solto], mais um chapéu de padrão galês que lhe dá um ar senhorial.
A outra casa que dona Margarida tem livre no prédio serve de abrigo à passarada das redondezas. E junto à escadaria do sétimo piso, que tem alguns vidros partidos, coloca recipientes de água para as aves de Lisboa se refrescarem. Diz-me que já teve muitos mais cães, muitos mais gatos, e uma diversidade de animais que nem sequer consigo reproduzir.
A dona Margarida usa óculos, tem miopia como eu. E, ao longo destes meses de América, não foram raras as vezes que ela me convidou para almoçar.
É, repito, a maior amante dos animais que eu conheço.
12.3.07
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