5.3.07

Então!?

Estudei em Sintra, numa escola com história, pavilhões antigos, professores de cãs. Só tinha aulas do décimo ano em diante, pensávamos que éramos enormes. No intervalo juntávamo-nos invariavelmente no «quadrado», um espaço coberto de zinco e rodeado de edifícios por todos os lados. A Associação de Estudantes punha cá fora duas colunas e passava invariavelmente as mesmas músicas: «Hoje é dia de orgia paroquial» e «Chiclete» para a carola. Eu, a Ana, a Elisa, o Miguel, a Rita, a Sofia e a Céu [mais tarde a Lina, o Simas, a Gabi, a Ana] reabrimos o «Então!?», jornal da escola com mais de 20 anos. Era feito por um bando de putos sonhadores, mas era bem feito, em off-set, com reportagens, entrevistas, crónicas e rúbricas fixas. Mais, dava-nos a vantagem de termos acesso privado a uma sala só para nós - o GAC, Grupo de Acção Cultural, por cima dos laboratórios de Química e ao lado do laboratório de fotografia. Era o nosso espaço. Chegámos a ficar trancados na escola depois desta fechar, para lá da hora em que a Cinderela se transforma em abóbora.

O pessoal do grupo de teatro guardava os fatos e adereços na nossa sala, na redacção, o que nos permitia fazer decorações alucinadas e aprofundar ainda mais o espírito revolucionário. Íamos para lá no fim das aulas e punhamos alguns adereços, falávamos dos artigos que estávamos a fazer e dos que podíamos fazer. Lembro-me da primeira edição do jornal, esgotou. À última da hora, a Céu pediu-nos para fazermos um agradecimento à Câmara, que nos tinha patrocinado a impressão com o projecto a escolha quer fazer. Nós escrevemos:
«A Câmara não é só aquele edifício bonito cheio de senhores feios. Quem feio ama bonito lhe parece, e muito bonito nos pareceu o senhor vereador da educação quando resolveu apoiar o nosso projecto.»

Lembro-me que a Sofia conseguiu fechar o salão de jogos em frente à escola depois de investigar a lei e escrever um artigo a falar da violação da mesma. Lembro-me de fazer uma entrevista à presidente do Conselho Directivo que deu polémica ao ponto de ela nos impedir de mostrar o jornal na feira das escolas [e nós montámos um pavilhão à revelia, claro]. Lembro-me de uma entrevista da Ana ao Fernando Pereira e das críticas culturais da Elisa, da Rita investigar os arquivos da escola, do Miguel inventar um poema marado sobre um relógio parado há anos no pavilhão da biblioteca.

Depois seguimos caminhos diferentes. Houve zangas, cumplicidades certificadas, afastamentos naturais. Mas isto é certo: é por causa do «Então!?» que eu sou jornalista. E esse será sempre o melhor jornal onde já trabalhei.

3 comentários:

F. disse...

A minha estreia na imprensa foi na Faculdade de Letras no mítico Fazedores de Letras. Detestei, achei que era feito por um bando de intelectuais que não queria largar a Fac e que não sabiam o que era um jornal. A redacção, essa, não podia estar melhor colocada: bem ao lado da sala de aula onde fiz o curso: o bar com snooker e matrecos

Anónimo disse...

Que bela repescagem afectiva! Soube-me muito bem ler e relembrar. Até já, bodó.

Anónimo disse...

Oi!
Que saudades! Já nem me lembrava de algumas destas histórias! Sabe sempre bem ter alguem com memória de jornalista ;)
Beij