22.3.07

Road movie

Se há coisa que me tem dado gozo desde que fui viver para a América é ir ao cinema sozinho. Também gosto de ir acompanhado, de preferência bem acompanhado, mas de vez em quando dou uma volta maior a caminho de casa e passo de propósito pelo King só para ver o que anunciam os cartazes. Se gosto, entro e peço um lugar a meio da sala, sozinho, sem distúrbios. Aconteceu-me ontem.

No domingo fui beber um chá a Vale de Lobos e dei por mim a falar com os pais de uma amiga sobre os rituais de uma ida ao cinema. Nos anos 60 as pessoas aperaltavam-se para ir ver uma sessão ao Império, ao Europa, ao Éden ou ao Cinema Roma [todos eles extintos, fechados, recovertidos em locais de culto e colecta do dízimo, ou pior ainda, deitados abaixo e transformados em urbanizações e edifícios de escritórios], passavam dois filmes, ou então apenas um com documentários e espectáculos musicais pelo meio. Havia intervalos onde as mulheres se dirigiam ao foyer para bebericar capilé e os homens um moscatel. O cinema era fogueira de vaidades, ponto de encontro para conversas e escaladas sociais, palco informal de negócios e acertos de contas. Hoje as salas saíram do centro para a periferia da cidade, os filmes são exibidos em complexos multiplex, as pipocas substituíram o capilé e ninguém barra a entrada a quem entrar no cinema de sandálias, calções e saias.

O King tem algum glamour europeu, que é diferente do velho charme dos cinemas lisboetas. E, sem saudosismos dos tempos que não vivi, congrega o melhor dos dois mundos: é suficientemente descontraído mas não é ícone de nenhum padrão de consumo ou de montra de imagens para lá das que passam na tela. Além de que, ali, não se vendem pipocas. Por isso é que me deu tanto gozo ir sozinho ver o «Half Nelson» [bom filme, excelente interpretação]. Sentei-me no centro da sala disposto à solidão diante do ecrã quando, passados minutos, senta-se à minha direita um conhecido do Bairro Alto e à esquerda um conhecido da faculdade.

Lá se foi o plano de eremita. Mas o cinema é isto, não é? Uma escola de ilusões.

3 comentários:

F. disse...

Lisboa é uma escola de ilusões. Tal como o King, Lisboa "tem algum glamour europeu, mas não é ícone de nenhum padrão de consumo" ...

Grande!

Anónimo disse...

Viva Vale de Lobos! lol
Gostava de te acompanhar ao King... convida-me vá.... :)

mai xinti disse...

o que não vale um cházinho!!
mafalda