7.11.06

Metafísica dos invertebrados

«Ai, dona Paula, não gosto de moscas.» Sentença proferida por Sandra, empregada do café onde tomo o pequeno-almoço desde que o brasileirinha da padaria ao lado desapareceu de vista.
«As moscas também têm direito à vida», responde a cliente, dona Paula, ajeitando os óculos e encolhendo os ombros. O casaco de pele nunca me deixaria imaginá-la com estatuto de protectora dos animais, mas ela também não tem corpo para dar uma de Cindy Crawford – com fotos semi-explícitas e um cartaz a dizer "I'd rather go naked than wear fur". Deve ser por isso. Pelo corpo, quero eu dizer.

Dona Paula tinha entrado pouco depois de mim, elogiara o novo penteado de Sandra e revoltou-se quando esta pediu um mata-moscas à patroa, ou «uma daquelas máquinas azuis que as queimam.» Tudo por causa de um exemplar, um único, que teimava em andar de volta dos ducheses. «Mas o que é que você tem contra as moscas, Sandra?»

E Sandra explicou que todos os animais têm direito à vida, mas achava que as moscas só traziam doenças e não gostava de as ter de roda de si, ou da sua comida. «Alguma utilidade hão-de ter, senão Deus não as tinha criado», ensaiou a cliente, que indecisa entre o duchese e uma bola de berlim optou pela segunda, a que a mosca tinha rejeitado. «Quem somos nós para decidir se um animal tem ou não direito à vida», inquiriu, «nós também não perguntámos aos animais se nos queriam na Terra.»

Sandra parou para pensar por uns segundos, por fim pegou num pano de loiça. E enxotou a mosca para fora do café.

2 comentários:

pinky disse...

cá para mim a dona paula é budista de fé, os budistas defendem de unhas e dentes o direito á vida de todos os animais do planeta.
eu cá, por muito que ache fascinantes os princípios subjacentes ao budismo, jamais conseguiria ser budista, a minha fobia ás aranhas não me iria deixar.

Telescópio disse...

Eu também tenho alguma coisa contra baratas. E ratazanas seguramente não são a minha praia. De qualquer maneira, pinky, hoje voltei ao mesmo café e vi lá duas moscas.