9.2.09
Crise de quê?
Em mandarim, a palavra crise é igual a oportunidade.
Dou por mim a pensar que esta crise pode muito bem ser a melhor coisa que já nos aconteceu. Este pode ser o tempo do mérito, finalmente.
Vamos aos factos: somos um povo tramado e queixamo-nos muito. Não conheço um português que não sinta que está subavaliado, mal pago, que ocupa um degrau abaixo da categoria onde devia estar. Muitos terão razão e por isso não se esforçam mais, não facilitam a vida a ninguém, encerram-se na sua amargura e ali permanecem. À espera do dia em que reparem neles e os salvem daquela injustiça.
É a senhora do café que não sabe sorrir, o funcionário do banco que faz questão de falar com autoridade, o professor que insiste em ser tratado com uma deferência tremenda. É o médico que trata mal o doente, a senhora da limpeza que limpa metade e esconde o outro meio debaixo do tapete, o administrador que se rodeia de amigos para nunca ser questionado. Somos nós todos, que contratamos ou tentamos ser contratados com um jeitinho, uma palavrinha, uma referência.
Como é que chegámos aqui? A cumprir serviços mínimos, não é preciso fazer mais se não me pagam para mais. E isso nem é o pior. O pior é pensarmos que a nossa vida está lixada, por isso o melhor é lixar a vida do outro, torcê-lo e rebaixá-lo, para fingir que ele está mais lixado do que nós. E se por acaso o tipo até está a subir na vida, então é lixá-lo pelas costas, porque «esse gajo tem a mania que é bom», «subiu na vida a reboque de alguém». De frente damos-lhe graxa, porque no fundo gostávamos de estar ali. Era ali que queríamos estar. Que, convencemo-nos, merecíamos estar.
E agora a crise lixa-nos mais, deita-nos abaixo, nem sequer as regalias que temos no degrau abaixo que sabemos que ocupamos está garantida. Suspiramos por mais e afinal é menos. Então pode ser que tenhamos de sorrir quando tiramos um café, que facilitemos a vida a quem precisa de uma informação, que ensinemos em vez de querer ser professores.
Intimamente percebemos que, se nos continuamos a lixar assim, então isto fica tudo lixado de vez e daqui ninguém se salva. Se calhar chegou mesmo a hora de trabalhar melhor, produzir mais, ter um melhor desempenho. Porque vem aí o desemprego, a precariedade, a crise.
Esta é, Portugal, a tua oportunidade. Agarra-a. Ou então afoga-te de vez.
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4 comentários:
Assino em baixo, em português e mandarim. Acabar com o cesto de caranguejos, ou não nos serve para nada a Evolução?
E vamos lá a saber... Porto, coméquié? Estou em cena até dia 22. ;)
Beijos e saudades [ainda nem te vi este ano, só agora percebo...]
Muito eloquente como outra coisa não seria de esperar, no entanto, muita esperança e utopia nesta visão. Imagine-se num rio que o arrasta para o fundo, vindo de uma qualquer entre-os-rios; sabes nadar sim, exímio nadador até, no entanto as forças do rio não se esgotam como a tua. A dificuldade de vir à superfície respirar é cada vez maior, o desespero vai tomando conta do discernimento, é o fim.... É ai que olhas para o lado e vês os braços que se agitam à superfície, agitam-se mas não se deslocam muito além de um raio delimitado; são os braços de todos aqueles que como tu iam na corrente do rio mas algures no caminho ficaram presos no fundio do rio, nas árvores cujas raízes lutam contra a força da àgua, esses sim ficaram a meio do caminho, não terão história para contar aos netinhos, por incapacidade ou mesmo vergonha. Uma oportunidade na crise.. ,porque não a crise ser a execução da sentença; a oportunidade veio nos anos anteriores, quando se falava e analisava e fazia previsões, mas não se olhava para as contas, nem se olha às implicações de seguir modelos inadaptados à nossa estrutura social e cultural. A matemática é universal, o tecido social não o é; tal como na música, a matemática "dança" aos trejeitos do tecido social, nas ciências financeiras é como um qualquer programa de dança; do nosso triste retrato de entertenimento português, daqueles em que põe o "povo" a dançar com os seus rebentos na tv. Não fosse pela qualidade de imagem, isto dos AGÁDÊS..., diria mesmo que estamos a ver televisão de um país com ditadura implantada, mas mesmo nessa altura nem o Salazar aparecia tanto na programação e não era em tantos canais. Meu caro arranha-céuista logo me contrapões a tua opinião nos "TuBates na Cidade"
Rodric, claro que a crise é execução de sentença e claro que nem todos os que ficam presos ao lodo do rio [muito boa, a tua metáfora] têm cunho de ter ajudado a criar o lodo. A crise é uma crise e por isso é injusta e mordaz. Mas a crise pode ser um tempo de construção de um novo modelo social - e o país precisa disso como de pão para a boca.
Joaninha, ou aliás, Manel. Vamos ter de combinar encontro em Lisboa, que por estes dias vou andar fora - para Sul e Leste, não para o Porto. É trabalhar, trabalhar [para aumentar a produtividade em tempos de crise, tájabêr?] Beijos, até já.
Um retrato muito real... Muito bom!
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