4.1.10

2010

Sempre tive uma teoria - se a passagem do ano é uma grande noite, então o ano é mau. E vice-versa.

Shit.

Este ano não promete.

15.9.09

A memória dos outros



Agradecimentos Sofia Lorena e Tiago Cardoso

2.8.09

Crónica pequeno-portuguesa

Estivemos quase lá.

O largo de Santo Antoninho - mesmo ao fundo da calçada da Bica, à direita para quem desce, onde no número seis, um prédio de três andares, vivem cinco amigos meus distribuídos por três casas diferentes - tinha esta noite cinema ao ar livre. Era uma projecção em película d' A Janela, a ode cinematográfica do Edgar Pêra ao marialva lisboeta, cujo cenário é a Bica em geral e o largo de Santo Antoninho em particular.

Picámos um sushi no segundo piso, com vista para a plateia - umas trinta ou quarenta cadeiras alinhadas diante do ecrã. Quando acabámos de jantar, estava prestes a começar a projecção. E então a família Prudêncio foi ao cinema. Uma litrosa de cerveja, uma mantinha, até um saco de pipocas acabadas de estalar. Começou o filme.

Das colunas saía um som distorcido e, apesar de não se passar nada de errado com a película, certamente havia um problema peliculiar. Os senhores do cinema interromperam o filme e prometeram arranjar o «problema técnico». Dez minutos depois, segunda tentativa. Os meus urros, graves e agudos. Aí, os senhores do cinema prometeram contornar a crise em quinze minutos.

Quinze minutos depois, os senhores do cinema fizeram a terceira tentativa e uma das colunas protestou furiosamente, o que levou ao cancelamento da magnífica noite de cinema ao ar livre da Bica, «é uma falta de respeito para com o filme e para convosco».

Conformámo-nos e pensámos subir ao Bairro, mas acabámos por ficar ali na rua, a beber as imperiais que comprávamos no bar da esquina. Uma boa hora depois, com as cadeiras do largo de Santo Antoninho já todas recolhidas, espanto dos espantos, apareceram na tela as primeiras imagens do filme. E, desta vez, o som era perfeito.
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As condições de visionamento do filme eram fantásticas. Como toda a gente tinha entretanto ido andando, estávamos nós de copo na mão e cigarro na boca, a disfrutar o privilégio de sermos os únicos espectadores da projecção de um filme da Bica, na Bica, para a Bica.

E, aos 16 minutos do filme, os senhores do cinema decidiram pôr termo à projecção, «porque é tarde e não temos licença, pá». Não havia ali polícia, a maior parte dos vizinhos estavam fora de férias, seria extremamente improvável que alguém apresentasse queixa. Já para não dizer que interromper um filme aos 16 minutos é que é uma falta de respeito para com filme. E para connosco, pá.

Então, o Miguel vira-se para mim e interpreta Portugal em duas palavras:
«Gandas meninos!»

25.5.09

Pensamento do dia

A quantidade de trabalho que uma pessoa tem de deixar pronta antes de se ausentar por umas semanas equivale seguramente à quantidade de trabalho que uma pessoa faria se não se ausentasse.

21.5.09

Porque sim



Saudades do Verão. Hoje só oiço isto e o Viva la Vida, dos Coldplay.

18.5.09

Feira do livro

Na sala da minha avó havia quatro quadros de queimadas, um em cada parede. Céu de fogo, até podia ser pôr do sol em África, mas não, era incêndio na jamba. Quatro quadros que, para a minha avó, eram tesouro. Foi o tio Vítor, filho dela, que os trouxe de Angola.

O tio Vítor voltou de Angola com quatro quadros, uma mão à frente, outra atrás. Mas voltou mudado, transdiferente. Vinha mais sorrisos e descontracção, apesar das cuspidelas de retornado que lhe iam atirando.

Casou com a tia Teresa, que nasceu no mato e criou um leopardo quando era minina. E os dois abriram uma discoteca de música africana na margem Sul, primeiro em Sesimbra, agora na Quinta do Conde. Nunca deixaram Angola, porque foi lá que se enfelicizaram. Nos seventies de Luanda, já havia coca-cola e bôites, saía-se à noite, as mulheres fumavam dançavam e usavam mini-saia. Para o tio Vítor, para a tia Teresa, para milhares de outros, aqueles foram os melhores anos.

Um país em guerra, um país em festa. É disso que fala o livro de Ana Sofia Fonseca: Angola, Terra Prometida. Ela, que não nasceu em África, não viveu em África e foi pela primeira vez a Angola para registar as histórias deste livro, não pode ser acusada de parcialidade. Nem de pré-conceitos. Fez um livro sobre os melhores anos desta gente toda. E pronto.

Há histórias de cinema e bailarico, amores e corridas de carros, das sanzalas, das fazendas, da vida que os portugueses deixaram para trás. Do paradoxo de céu iluminado por obuzes e, ao mesmo tempo, por fogo de artifício. Uma crónica dos costumes, magistralmente bem escrita, e que estava por escrever. Podem acusar-me a mim de parcialidade, por ser amigo da autora. Mas leiam lá o livro e depois a gente fala...

27.4.09

Freedom 35+


Impressões do 35º aniversário do 25 de Abril:
. A Paulinha a passar de carro pelo Largo de Camões e a gritar «Viva o Salgueiro Maia!»
. A estranha mood do Tokyo na noite de 24 para 25. O som evoluía do Love Will Tear Us Apart, dos Joy Division, para o Somos Livres [Uma gaivota voava voava, remember?], da Ermelinda Duarte. De arrepiar.
. Quase ninguém sabe a letra completa do Sémen, dos Xutos, que não sendo um hino do 25 de Abril, é sem dúvida uma música de ruptura, um sinal da pequena revolução sexual que em processo em Portugal no ano em que a canção foi escrita [1981].
. No desfile da avenida da Liberdade, os cravos eram vendidos a um euro. Não pelas floristas que se tornaram personagens de Abril, antes pelos Quéfrô paquistaneses [que, graças à abordagem recente, se deviam passar a chamar Quétudo].
. As vendas do Bord'Água atingiram o seu máximo histórico em Lisboa este sábado, nas laterais da avenida da Liberdade.
. A Jaquina, que foi a minha mulher a dias durante anos e que eu não via há muito tempo, desfilou no cortejo de Sintra a exigir a construção de um novo hospital. Dá-lhe Jaca.
. As miúdas mais giras que vão comemorar o 25 de Abril concentram-se normalmente na Praça da Alegria ou no Largo dos Restauradores.
. As vendas de cerveja superaram largamente as vendas de ginjinha na Rua das Portas de Santo Antão.

14.4.09

E, num instante, o mundo mudou (2)

Acordar. Ir buscar um copo de leite à cozinha. Acender um cigarro. Reparar que em cima da mesa da sala ficaram perdidos dois ganchos e um elástico para o cabelo. Pensar fazer um telefonema. Desistir da ideia. Apagar o cigarro. Espreguiçar-me. Começar outro dia.

7.4.09

E, num instante, o mundo mudou (1)

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31.3.09

It's a kind of magic



A realidade supera de longe a ficção. Senão vejam: o meu bom amigo Jordi é fotógrafo e passou vários meses no Brasil a fazer um trabalho sobre mulheres que amam de mais. Encontrou um grupo de interajuda para estas mulheres, que ficaram em cacos, inaptas para o quotidiano, depois das relações que tinham terem terminado. O meu bom amigo Jordi publicou um livro, com textos da jornalista brasileira Marília Gabriela, e fez duas exposições em galerias reputadas de São Paulo. E, há cerca de um mês, o meu bom amigo Jordi voltou a Portugal.

Convidaram-no a expor o trabalho em Lisboa, numa galeria simpática da rua dos Navegantes chamada P4. E o meu bom amigo Jordi convidou-me para escrever o texto da exposição lisboeta. Na boa, não tem problema. Gravou um CD com as imagens e eu fiquei de escrever a coisa. Mas, como estava cheio de trabalho, fui adiando a escrita do texto. Entretanto, eu e o meu bom amigo Jordi fomos para Trás os Montes fazer uma reportagem. É bestial uma pessoa poder trabalhar com os amigos.
No Nordeste, com o prazo para entrega do texto a esgotar-se rapidamente, o meu bom amigo Jordi pediu-me para escrevê-lo ali mesmo. Eu não tinha levado o meu portátil, ele tinha o dele mas não tinha Word. Então, ele passou as imagens da exposição num slide-show em que as imagens mudavam a cada onze segundos. Eu agarrei no meu Moleskine e fui tirando notas. Quando chegasse a Lisboa haveria de as trabalhar e passar a computador, para finalmente enviá-las à galeria.

Guardei as notas no bolso de trás das calças e não voltei a pegar nelas. No último dia, algumas horas depois da hora estipulada como limite para o envio do texto, cliquei no send. Mandei isto:
Amor Cachorro
No dia em que desapareceste eu não conseguia dizer. Tu é que sabias quem eu era. Mergulhei fundo. Fiz-me transparente, transpareci-me. Tu tinhas dito para sempre. Quanto? Morrer, quase. Nem conseguir tirar os olhos do salto da agulha. Cachorro. Deixaste-me encruzilhada, sem direcção. Farejei-me ao espelho, era baço. Reflexo opaco, estou mesmo? Ah, chorei de mais. Foi. E aí eu virei fera. Quis holofote, embriagar-me na luz. Foco na cara, palco no corpo, eu ia ser monarca outra vez. Agora eu vou sair do poço, vou conquistar a noite. Ouviste bem? Vou vingar-me. Ouviste? Fala comigo.

Não pensei mais no assunto e fui à inauguração da exposição do meu bom amigo Jordi. O meu bom amigo Jordi não estava, tinha ido para Angola fotografar. Vi as fotos na parede e gostei muito da disposição. Depois encontrei o dono da galeria, disse-lhe que tinha sido eu a escrever o texto e ele confidenciou-me que ainda não estava exposto porque eu tinha entregue tudo atrasado e a coisa ainda não estava emoldurada. Na boa, não tem problema. Mas porque é que não enviaste antes, perguntou ele. Contei-lhe a saga do computador em Trás os Montes, disse-lhe das notas que tirei e reparei que ainda as tinha no bolso. «Olha, estão aqui, estás a ver?»

E então o tipo passou-se. «Isso é o original, é valiosíssimo. Queres vender-me isso por cinco euros?» Ri-me, disse que lhe oferecia as notas. Mas ele insistiu que não, aquilo era o original e merecia ser pago, nem que fosse por cinco euros. Acedi e vendi-lhe as notas por cinco euros. Agora, na galeria P4, estão expostas as fotografias do meu bom amigo Jordi, o texto que eu enviei com atraso e as notas que eu tirei. Fantástico. Podem confirmar aqui.