8.2.07

O meu improvável vizinho




O Modigliani mora no meu prédio, e juro que isto é verdade. Eu sei que os livros da Taschen desmentem-me, garantem que o pintor morreu em Paris a 24 de Janeiro de 1920, mas eu tenho provas de que ele vive na América.

Junto à porta de entrada no arranha-céus - dez pisos de laboratório sobre Lisboa - há duas pinturas dele cobertas de tinta cor de tijolo. Pura arte assassinada, disfarçada de parede. Mas esses são só os desenhos escondidos, porque contornando o cubículo do elevador, ainda no exterior do edifício, encontram-se duas mulheres de Modigliani pintadas sobre os caixotes do lixo. Os rostos elípticos e alongados, os cabelos escorridos, linhas simples, de cores equilibradas, nús femininos, os olhos sem pupilas - são cunho do italiano Amedeo.

Nas escadarias que ninguém utiliza há mais exposição artística. A porta do primeiro piso, trancada há anos por uma fechadura sem puxador, tem outra imagem de sedução de Modigliani impressa a óleo na madeira. Por isso é que, quando me sobra tempo, prefiro descer as escadas a pé [descer apenas, porque o décimo piso é voo para as alturas] e cumprimentar as senhoras grafitadas, damas de gestos contidos e formas longas, fidalgas de início de século, que encontro na passada dos degraus. «Bom dia, bom dia», e a fúria renitente das formas a pousarem um esgar no curto encontro do dia.

Calculo que os meus vizinhos prefiram usar o elevador. Mas insisto na descida esforçada, não vão tantas mulheres sentirem-se sozinhas.

1 comentário:

pinky disse...

epáaaaa dá-me já a morada desse arranha céus, sou apaixonada por esse louco!