15.1.07

O alfarrabista de Roma

Na esquina da avenida de Roma com a América há um quiosque que não vende jornais, nem tabaco, e que [des]ilude todos os que querem comprar o Público ao domingo de manhã. É, como habitual, um cubículo onde mal cabe uma pessoa, com uma mesa por diante e dois expositores laterais. Mas, em vez dos papéis da actualidade, ali vendem-se livros que foram escritos numa altura em que não se podia livremente dar asas à imaginação. Nem à opinião.

O alfarrabista de Roma não parece português. É alto e magro, olhos claros escondidos numa barba mal aparada, roupagem desmazelada e discurso parco. É como se o homem não estivesse realmente interessado em vender os seus livros, antes manifesta o desejo de expô-los para o mundo os conhecer. Não é raro vê-lo discursar sobre a importância do «Portugal e o Futuro», de Spínola, ou defender o regalo que é ter uma primeira edição de «A Fogueira das Vaidades», do Tom Wolfe, e depois hesitar em vender qualquer uma das obras a qualquer comprador que não mostre um entusiasmo no mínimo tão grande quanto o seu. Eis um sofista, em pleno século XXI, na esquina de Roma com a América.

Domingo de manhã [ok, ok, era de tarde] subi a América para comprar o Público e detive-me por instantes diante do quiosque das papeladas antigas. Olhei de relance para um volume da Academia Geográfica de Lisboa, um ensaio cartográfico da capital que por certo não me importaria de ter. Não me interessei pela biografia de El Rey D. Carlos, menos ainda pela proibida [como são todas] edição do «Mein Kampf», de Adolf Hitler. E, subitamente, aterro os olhos no «Eléctrico», de José Gomes Ferreira, primeira edição a dois euros. Pego no livro e o alfarrabista repara: «Ah, José Gomes Ferreira! O grande poeta esquecido. Sabe que ele morreu de felicidade pouco depois do 25 de Abril?» Contesto: «Não foi ataque cardíaco? Ou fígado? Diz-se que ele bebia muito.» Respondeu-me que os poetas bebem todos muito, é defeito de fabrico para quem analisa a magia do mundo, e que foi seguramente de alegria que o seu corpo sucumbiu. «Afinal, ele sempre foi um opositor ao regime.» É verdade.

Há anos, subia as escadinhas do Duque e entrei noutro alfarrabista onde encontrei uma primeira edição do José Gomes Ferreira, assinada e datada por um antigo proprietário. Coincidência ou destino, o livro tinha rubricada a data do meu nascimento, o que encarei como um óbvio sinal de obrigatoriedade em adquiri-lo. Tinha 15 anos e apaixonei-me pela escrita flutuada do poeta, o grande esquecido José Gomes Ferreira, que fica na história com o nome de uma rua e uma escola em Benfica. É sem dúvida pouco para tanto talento.

E este domingo de manhã [de tarde], quando ia comprar o Público, encontrei-o novamente num alfarrabista, desta vez sem data nem coincidências fatais, mas com idêntico sinal de que o teria de levar. Contei ao alfarrabista a minha história de há meia vida, ele sorriu e depositou-o nas minhas mãos. «Este ofereço eu», disse. Já não comprei o Público e enfiei-me o dia todo em casa em delírio poético.

O alfarrabista de Roma pode não ter grande jeito para o negócio, mas é sem dúvida genial no que toca à leitura das almas. Honra a ele.

8 comentários:

pinky disse...

esse homem deve ser um observador nato e deve ser una pessoa interessante com muitas histórias para contar.
parece-me que vai passar a ser um sitio de passagem obrigatória para ti.

F. disse...

Grande Rodriguez. A verdade é que para se "contar" o mundo é preciso ter as emoções è flor da pele. É duro não é?

luense disse...

Sabes? Existe também um parque com o nome dele. É vulgarmente conhecido por Parque de Alvalade mas na realidade chama-se Parque José Gomes Ferreira. Fica no final das Avenidas do Brasil e Almirante Gago Coutinho.
É das poucas matas que ainda sobrevivem em Lisboa e o seu ambiente faz justiça ao nome que carrega,

Anónimo disse...

sinastría numerológica

Anónimo disse...

Paseo de la Universida de Coimbra (Salamanca)

Anónimo disse...

los españoles conducen de puta madre

Anónimo disse...

a mulher, enigma psico sexual, de pierre vachet

Anónimo disse...

tragicomedia del serenisimo principe don carlos, de carlos muñiz (prologo de moncho borrajo y gonzalo torrente ballester)