10.12.07

Pretérito perfeito

Por estes dias, Lisboa parece uma obra embargada. Não há luzes de Natal no Rossio, os taipais vanguardistas do Cais da Coluna já pouco disfarçam a inutilidade do Terreiro do Paço, o comércio tradicional recusa abrir portas ao domingo, mesmo que estejamos em período de vendas e as grandes superfícies sejam obrigadas a fechar. Rua Augusta sem mimos. Bairro Alto sem boémios. Nem um grito audível na rua quando o Benfica marca golo.

Pausa, Lisboa em suspenso.

Percorro a rua da Escola Politécnica sem ver vivalma. Ligo para dois ou três amigos, ninguém quer desbravar a urbe. Vou beber um chá, o Cister está fechado. De repente, descubro um tasco que a ASAE ainda não localizou, entro, sento-me, um moscatel. O último fio de luz ilumina o rosto da rapariga que está sentada à minha frente. Não é bonita, mas não consigo desviar os olhos dela. Está mergulhada na penumbra e um clarão de lusco-fusco incendeia-lhe o olho direito. Ela sorri-me, não com os lábios [consigo lá vê-los], mas com pestanas e sobrancelhas.

«Olá Ricardo, lembras-te de mim?»

Susana.
Colega da secundária, na altura uma espécie de cheerleader da turma. Gira, cheia de convicções, um terramoto de 16 anos. Agora aqui, à espera de coisa nenhuma. Os anos arredondaram-lhe o corpo mas preservaram-lhe a luminosidade do esgar. Estava na mesma. E isso significa que não se aparentava com nenhuma imagem que eu pudesse guardar do passado.

Desfiámos meia dúzia de memórias, pedi outro moscatel e ela acompanhou-me. Estava a trabalhar na cimeira, agora vive em Bruxelas, trabalha para a União Europeia. Contei-lhe das pessoas que ia vendo e das que nunca tornei a pôr olho em cima, queixei-me da cidade estar em ruínas e de nenhuma outra capital guardar alma de marinhagem.

Despedimo-nos com trocas de e-mail e promessa de nos mantermos em contacto. E, no exacto momento em que saímos para a rua, acenderam-se, muito embora tivessem forma de laçarotes e fossem de um gosto duvidoso, duas filas inteirinhas de luzes de Natal.

1 comentário:

Anónimo disse...

Está em Grande, velho amigo! Um grande Natal e um ano cheio de coisas boas!
beijos e saudades
Sofia Gaivota